domingo, 6 de maio de 2012

Escarlate

Eram as três da tarde quando Stevan veio e sentou do meu lado. Eu lembro que eu tinha medo dele, pelos seus olhos assustados e mortos e porque os vizinhos diziam que sofria de crises na madrugada. Só que agora eu consigo duvidar das pessoas. 

Ele disse que a sombra da árvore estava pouca para nós e me empurrou um pouco para a direita. Eu borriscava algumas coisas para o trabalho da escola e ele pediu para ver. Estava escrito alguma coisa que a luz solar demora cerca de oito minutos e dezoito segundos para atingir a terra. Ele demorou algum tempo refletindo nessa linha, começou a chorar e disse que não gostou do texto. Eu tentei explicar superficialmente mas ele repetiu que estava horrível e que não entendeu. Afastou-se agora ignorando a sombra e voltou os olhos, quase fechados pela luz, para o céu. Eu sei que isso me disse alguma coisa, só que eu não consegui decodificar. 

Fiquei receosa depois desse dia, Stevan sempre foi muito difícil e me dava angústia. Ele conseguiu me prender de uma forma pessoal demais, mesmo sem me conhecer. Um dia ele apareceu de surpresa na minha rua e me perguntou se eu gostava de calor, talvez fizesse uns quatro meses depois que ele leu minha história sobre o sol, mas eu sabia que era a isso que ele referia. "Não" eu respondi, e em cada letra que minha voz saia, parecia que ele ia se jogar, se entregar de parapeito em um abismo mais fundo, talvez o maior de todos os abismos. Eu pensei que ele fosse falar mais, só que ele ficou calado de novo. 

As vezes eu fico pensando na loucura dele. Tinha dias que eu ficava sentada na porta da Vila 7 para ver se ele passava, e acaba por concluir que a loucura era minha também. Depois eu ria e ia embora com uma sensação que sol estava mais escaldante. E eu sei que estava. Depois de uma semana fazendo isso, eu consegui vê-lo deitado no asfalto quase virando cera quente. "O que está fazendo? Levante-se daí." "Eu quero ser consumido pelo seu sol" "Stevan, o sol está a uma unidade astronômica daqui, deixe de bobagem." "Não tô falando do sol suspenso, tô falando da sua alma escarlate" Ele levantou e disse que finalmente entendeu o meu texto. 

- Que texto?
- Da distância do sol.
- Isso não é um texto, tô falando pra você agora.

Ele me corrigiu e relembrou do meu trabalho de escola. Eu falei que já era velho e nem tinha necessidade de entendimento mais, já se fazia um ano e mandei esquecer essa história. Stevan reclamou de novo e disse que  não era velho e falou também que era inatingível.

I-n-a-t-i-n-g-í-v-e-l.

Sua resposta me devorou, parece-me que os segredos de Stevan vão sempre surgir quando não houver mais nada para se descobrir. Só que depois daquele dia eu nunca mais o vi. Ele se mudou da cidade e a última vez que tive alguma coisa dele, foi um cartão amarelo como um sol reluzente que recebi anteontem, estava escrito que uma unidade astronômica é equivalente á aproximadamente cento e cinquenta milhões de quilômetros. E terminava bem assim: A lua agora está perto de nós vinte e quatro milhões e seiscentos mil quilômetros... parece que temos cento e vinte e cinco milhões e quatrocentos mil quilômetros de bônus. 

Eu queria que eu fosse desentendida e desexplicada por todas as pessoas como eu sou por Stevan, mas constantemente completa. Porque eu passo pela vida grossa e todos já me concluem enquanto eu sou errada. Ele sabia de tudo. Desde o princípio ele sabia. Eu não funciono sem os detalhes. 

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