quarta-feira, 13 de novembro de 2019

A jornada

Tem 3 anos e um mês exatamente. A artista que toca agora é conhecida, mas não a música. Assim como eu, que agora volto, olhando para os escritos passados: alguém familiar, que reconheço, mas não sei quem é. Ou talvez seja o contrário. Não sei quem sou agora.

Eu me entreguei àquelas leituras superficiais, às lives na internet, aos filmes sem profundidade. Encontro com amigos pra beber, como muito e converso banalidades. É verdade que a felicidade estar em não sentir muito. Mas eu sinto. Muito.

Foi dito, há séculos, eu sou alguém que busca. Isso é imutável, apesar das marcas no rosto, dos desenhos na pele, do corte de cabelo.

E te pareceu uma frase incompleta. Olhou pra mim com aquela cara de quem espera o pensamento se concluir. E então é isso: eu sou quem busca e você quem espera. Porque estamos sempre assim, ou buscando ou esperando, como um barco que ora rema com força, ora se deixa levar pela correnteza.

Algo raríssimo de ser ver. Digo sobre... o que é mesmo que ia dizer? Não deve ter tantas coisas raras assim neste mundo para discorrer sobre como é sua beleza ou absurdez. O fato é que já havia esquecido antes mesmo de vim escrever, mesmo assim eu vim na tentativa de me lembrar daquilo que jamais deveria ter sido esquecido. 

Eu sou aquele que busca.
E você continua me encarrando na espera de um complemento.

Tudo é ilusão ou vaidade e irá cair no esquecimento ou em frustração. Mas a busca. De tudo que se tem ouvido e vivido a suma é a busca. A minha busca.

Isso é a minha herança para as próximas gerações. É o que me parece mais nobre e minha expressão mais poderosa. É a minha verdade, a minha poesia, duradouras e profundas.


quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Uma escuridão enorme nesta paisagem. Tão escura e tão clara ao mesmo tempo, porque não podendo distinguir entre o negro do céu e o negro das montanhas, se destaca brilhante uma linha fina e longa que divide os dois para o meu olhar e alcança a eternidade. 

Tem uma linha. Eu vejo e sinto. 

Tem uma linha que atravessa a minha alma.

Se a transparência é tudo que nos resta ao final, esta linha entre vida e morte não é tênue.

Pra viver é preciso morrer.
Não é possível comparar o tempo de agora com o tempo que virá, disse. E que o mundo não se contém por esperar o futuro. De certo, tudo ao nosso redor observa uma criação grávida que sofre as dores do parto. E não apenas ao nosso redor, como também dentro de nós tudo se contrai em dor a espera de uma libertação. Mas a espera, assim como não diminui a gestante, não há de nos diminuir, senão nos fazer grande. E quanto mais esperamos, maior é a expectativa.

terça-feira, 31 de maio de 2016

O som era alto como de uma orquestra.
E o meu corpo no seu.
Cantus Firmus.
Você me oferece um cigarro e eu
te trago para dentro de mim.

Sensorial

Eu ajustei o olhar e o que vi foi a vida além da vida. A beleza e a profundidade de um acontecimento sensível demais ao olho nu. E pensei que talvez  o meu coração não consiga escolher entre a graça e a natureza. Verdadeiramente uma delicadeza que só o que é mistério pode compreender.

O meu coração não consegue e nem poderia. O viver existe independente do que existe todas as coisas. Os gestos da graça e o poder da natureza estão em tudo, sem contudo, o pertencer.  Estão descritos nas margens, nas bordas e só se manifesta ao que é simples.

Se eu pudesse existir para além das coisas, sem as pertencer e sem me esvair, mas perdurar como tudo que está desde o começo, ainda assim não poderia decidir. Sou um simples homem com coração em excesso.

E vieram as perguntas. E eu ajustei o olhar. Entre a graça e a natureza: o amor sorrindo para todas as coisas. Isso não foi Mallick que percebeu.

quinta-feira, 14 de maio de 2015

A solarística

Foi um ensaio glorioso sobre o amor. Sobre a existência também, mas sobretudo sobre o amor. Moveu as concepções humanas diante do imenso vazio espacial. Oh Katherine, o objetivo do ser humano é descobrir a si mesmo, seja na forma de feto na placenta, seja na forma da mulher amada. Não importam os outros mundos, não precisamos deles, só queremos um espelho. Os astronautas não foram enviados para conhecer o misterioso oceano de Solaris, vê? O encontro com outro, Katherine, é um encontro com si. Não há solução para isso, não há possibilidade de defesa quando, de repente e sem querer, é nossa consciência projetada selvagemente que nos apavora.

Mas o que de fato deve ser percebido é a fragilidade da nossa própria dúvida, da nossa curiosidade, é aquilo que nos aproxima do abstrato, do inomeável, do real. Eu entendo, Katherine, que para preservar algumas verdades precisa-se do mistério. Os mistérios da felicidade, da morte e do amor. Dizem que os homens felizes são os que nunca se interessam pelos mistérios porque pensar sobre isso é o mesmo que saber o dia de morrer. Talvez não pensar os tornem, no fundo, imortais. Mas talvez, Katherine, só talvez, eu não queira ser feliz. Ou imortal. É uma questão banal, ninguém nunca sabe quando é o fim, então o mundo anda com pressa.

E não apenas isso, o desconhecido e não rara, nossa rasa lucidez é capaz de fazer notar o desequilíbrio que nos compõe, sempre em loucura e angústia. E em ilhas de fantasia, em sonos distantes e em incertezas cruas. Ou ainda em inquietações. Prefiro ver, Katherine, como benefícios. Como que, se fosse possível voltar no tempo, ver o amor sem ser mancha. Mas é como foi dito, Katherine, desde o início: foi um ensaio glorioso sobre o amor.

E o homem ama o que se pode perder. Até hoje a humanidade e a Terra estiveram fora do alcance do amor.