quarta-feira, 23 de maio de 2012

Quem é você que vive em mim?

Eu nunca sei como começar um texto, assim como nunca sei quando um pensamento vai surgir, porque as vezes sinto que já pensei todo meu lote de reflexões no mundo, quando de repente, me sufoca um questionamento, um instante tão claro e assustador: O que pode ser mais rápido e puro que a luz? E minha cabeça balança de um lado a outro, e surge a primeira linha terna e solta: Uma vez eu ouvi a história de uma cega de encontrou um homem invisível. E flui de mim algum benefício em ser rala e densa no saber das coisas. 

O texto:

Uma vez eu ouvi a história de uma cega que encontrou um homem invisível e eles se perdiam nas distrações das árvores. O homem catava gravetos e via neles a transparência infalível em ter paz nas pequenas coisas. E os detalhes eram tudo para ela. Os detalhes eram parte dela, eram seu íntimo palpitando por fora do corpo. E a loucura nunca foi suficiente para contê-los. Nada pode conter os olhos da alma, o toque e o cheiro do que se transpõe para além do racial. Sentir não é racial. 

- Luis - o nome do homem intocável rolou pelo chão e perdeu o caminho -  você já pensou que o escuro é mais exato que a luz? Quer dizer, antes da luz chegar, a escuridão está presente, intacta, simplificada. 

A resposta em questionamento me bebe, azeda e amarga. E o que poderia ser mais genuíno que o escuro? A pergunta me suga, me toma todos os sabores. Em todo seu mistério, segredo e silêncio, o escuro me deixa cara a cara com meu âmago, me envolve, me faz parte. Nada, acho que nada poderia ser mais vivo que a morte súbita da noite. De todas as mil noites dormidas dentro de mim. 

Luis não responde porque perto da cega, fica mudo. Mudo e invisível. Luis é a consciência, a repentina surpresa, o fragmento dos argumentos da cega. São seus olhos. Os olhos de dentro, os olhos que tudo vêem, e enxergam o pessoal, o mais intenso abismo de ter certeza absurda da paz interior. A cega quase fica desolada, mas concorda consigo mesma: O jeito dele pegar os gravetos é o movimento mais sincero que já ela pode presenciar.  E os dois se completavam... Não, não. Eles se transbordavam. Completavam a si próprios e enchiam o outro desse conteúdo desconhecido e alegre. Alegrias. Se a felicidade existe, está nesse amor de dentro. Entre a cega e a invisibilidade. 

Então, eu distribuo uma novidade: Eu também nunca sei como terminar um texto. Como nunca sei quando pararei de amar e escrever. Porque pensar é tão distante que rapidamente deixo escapar por minhas mãos, escorrer e flutuar com o bater de uma onde em outra, ao passo que amar, nunca será sequencial e definido como o movimento do mar. E escrever, ultrapassa o pensamento e o amor. Que é infinito. Nunca sei como terminar um texto, porque ele nunca acaba no meu ponto final. Escrever não é sequer minhas reticências. Reticências, a cega diria que são clones de pontos finais, portanto, indignos de existir. 

O que seria então, a conclusão das histórias? Da História? Volto a me embaraçar e ficar tonta. Nada em mim tem conclusão. Nem luz, nem escuridão, nem cegueira e mudez. Por Deus. Quem sou eu afinal? Quase o que sinto, quase o sempre e quase o talvez. Eu sou um quase. Quase viva, quase morta, quase nunca. Quase um quase.

Morro afogada e ressurjo violentamente: Eu sou o que escrevo e o que amo (sem pontos finais, por favor)


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