quarta-feira, 25 de julho de 2012

Fora do palco

   - É um ensaio para o abismo, baby - Diz-se por trás do som, perceptível pelos olhos que era algo mais parecido como que se lasque essa porra toda, eu preciso descansar. E eu também, que passo o dia todo negando e abrancando o tédio e quando cai a noite eu choro quieta por uma dor incompreensível: é preciso fazer algo além de reclamar, mas eu não consigo. Nós não fizemos nada o dia inteiro, nem jamais faremos e será sempre assim. Continuando sem um futuro, sem respostas, um típico final de poeta. E somos tristes como um e terminaríamos por morrer negando o contrário.

   Não existe sentido nisso tudo então o que faremos? Deixamos adormecer os sonhos no canto morto da cama enquanto vai entrando também em decomposição a pele queimada de sol e nós apenas sorriremos porque foi preferível repousar na dúvida a provar o contrário com uma solução. O dia vai amanhecer e o corpo vai levantar e continuaremos pessoas desacostumadas, Marco. E os sonhos vão continuar doentes e cegos. Para todas as coisas falta o saco para recapitular, logo o que resta é chorarmos até cansar e sobrar o ânimo de ser solitário. 

   Essa casa está toda em desarmonia, e você sabe que não tem nada a ver com a decoração assim como passa longe de culpa nosso espírito. Ontem você dormiu no meu colo e eu tive que respirar com cuidado para não te acordar e quase entrei em pânico porque fiquei sozinha. E doeu demais, baby. Como dói agora e eu não consigo explicar, por isso dói em dobro. E sei que devemos apenas fazer o nosso papel, mas agora isso parece piada. E eu tenho medo de ter medo, Marco, e eu aparento estar desesperada ao ponto de querer sair na rua e encontrar um desconhecido, que não me pergunte nada, não diga nada, apenas me dê seu ombro de consolo. Um estranho que saberia assim como eu que somos todos vítimas de um nós imposto. E eu nunca encontro, baby. Lá fora as pessoas também andam loucas, quase como nós dois. Só que saem das perdas iguais. Nisso nós somos diferentes, graças à essas doses de filosofia e um cd de orquestra barato da esquina.

   Eu preciso aprender alguma coisa, Marco, e depois te ensinar porque você tem a memória boa. Assim eu poderia esquecer mil vezes que você me lembraria em todas elas. Mas é uma coisa que eu ainda não sei, entende? Como se ela nunca fosse de meu interesse, uma espécie de condenação. Isso é rígido demais, sufocantemente vazio, ainda mais porque agora você fingi entender porque só se trata de um ensaio. Mas a culpa pode ser minha também, que nunca soube como pedir vigília durante a noite. Eu fecho os olhos sabendo de tudo que acontece a minha volta e não importa quantas vezes eu tento me distrair, é impossível dormir. E logo em seguida, penso na inutilidade de ter alguém me observando como se eu fosse um bebê, qualquer dormiria antes de mim, Marco.

   Eu tento pensar que poderia ser fácil em alguma parte do caminho mas não passa disso - um pensamento. Baby, esse inferno foi feito sem intenção e ainda tenho dúvidas se adquiriu propósito. Só que eu tenho preguiça de descobrir, lembra? Foi você que me ensinou isso. Eu talvez quisesse, mas é uma descoberta inútil. A minha existência passaria a ser nula da mesma forma que um soldado deixa de ser soldado se não houver guerra. Será que um dia conseguiremos cair em nós mesmos, Marco? Queimar o script e fazer nossa própria peça teatral? Só para morrer tranquilo com a sensação de dever cumprido, que, finalmente, soubemos dar bem na vida? Esquecemos sempre, baby. Por puro esquecimento ou pela praticidade. Ainda não é tempo de assumir as rédeas. 

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