sábado, 7 de julho de 2012

Seus portões fechados

Culpa. É como uma camada velha da pele apodrecendo, mas não é possível arrancá-la, as células  carregando o peso do arrependimento. Mas tudo funciona como se não existisse o corpo vivendo, por sorte o coração não parou. Aí você me diz que é imprescindível eu continuar o caminho porque faz bem esquecer o passado quando ele não é bonito. Esmagadoramente fatal e indigno mas eu respondo seco como as areias do deserto que é preciso guardar bem o destino e passagens: nunca se sabe quantas vezes é preciso voltar atrás. O caminho não é uma linha tênue.

Essa não é mais uma vida que eu roubei por uma história apesar de inventar seu nome e os aforismos que saltam dos seus olhos pretos. É uma história que esqueci de te contar porque ainda não existia, e até melhor agora já que meu amor não soa tão cruel:  Um rapaz que pertencia as doses de Brandy e morava à margem da cidade com dois cachorros e um mordomo. Ele tinha uma bela casa: dois andares, cinco quartos, a cozinha era conjugada com as duas salas, a de jantar e a outra com a televisão. Mas ele não ia lá porque tinha trauma de noticiários. Em uma noite ele saiu de moto para beber e sofreu um acidente: foi desviar de um animal no meio da avenida e caiu no penhasco, ainda não estava bêbado mas morreu.

O mundo está cheio de histórias tristes por aí e eu conheço todas porque já imaginei cada uma delas dentro de mim. Na semana que o rapaz não voltou para casa, por exemplo, eu queria adotar os cachorros dele, porque a mãe do cara alugou a casa e abandonou os pobrezinhos na rua junto com o mordomo. Nesses momentos meu impulso fala mais alto, não que ele falasse baixo antes, mas porque é um insulto a mãe jogar fora os únicos que amaram o próprio filho. Diferente de mim, que nunca abandono mesmo quando tenho que partir. Agora você pergunta "e daí" e essa é a hora que as passagens estão prontas e o tempo me esperando: é preciso voltar sempre. Como os cachorros que sempre ficavam do lado de fora da casa esperando que os portões abrissem para eles entrarem e dormirem em casa e eles nunca abriam.

É loucura a cabeça de quem ama, fica difícil admitir que é tarde demais para fazer alguma coisa e recuperar o que ficou interrompido. Dói como se desprender da pele, isso implica em deixar fluir na carne viva. Eu não sei o que aconteceu com o mordomo, provavelmente passou a vender algum produto ultrapassado na esquina da rua porque não tinha aptidões. A mãe ficou com a casa, mudou os móveis mas continuou com os quatro quartos vazios também. Ás vezes é melhor não saber o que aconteceu, mas eu quero que saiba que eu, imprescindivelmente, quis ficar. Como aqueles cães que agora estão fedidos e com fome dizendo "se tiver que ir, vá, mas se puder voltar, volte." Eu nada sei sobre o tempo, mas acredito que está chegando a hora de nos reencontramos. Hoje é a curva do círculo.

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