terça-feira, 14 de agosto de 2012

Todos os dias em Blues

    Meu nome é Adão.
  E como o nome já diz, sou feito de barro. Eu caminho à margem dos acontecimentos e acho a condição humana detestável. Sou um mentiroso, mas isso não é uma mentira. A realidade da vida é como uma rosa negra e existente que cai em rios de águas límpidas, escurecendo e espalhando ondas, espantando peixes, distorcendo a cor clara do céu. Um vazio habitacional no centro da natureza. Mas não me lastimo tanto -  ainda que encontre na mesma circunstância que você - a essência não nos iguala como a dor.
   É engraçado que ao mesmo tempo que pessoas se curam, outras tantas põe um fim na insanidade mundial pelos mesmos motivos. Não existe ideologia de passe livre capaz de formar o exemplar padrão de comportamento. Um único enigma é desvendado de mil maneiras diferentes, dessa forma, a qualidade ainda não é problema. É tudo uma questão de acúmulos: a quantidade de vida sobrecarregada, empilhadeiras de corações, impedindo a coragem do futuro. São cabeças, braços e pernas amontoadas um encima do outros pressionando, contorcendo tudo ao avesso.
   Inventam-se vida onde não há sequer um sopro de ar. Sonhos são uma coisa que se descumpre.
  O medo é que a hora de se encontrar, correr, lutar, sofrer o risco por promessas esquecidas já tenha passado. Ou que esteja passando sem que alguém perceba por causa do trânsito engarrafado, o céu poluído, por causa da tecnologia em velocidade de luz. O resto do mundo devia se calar e passar a ouvir as pistas que são dadas para os novos horizontes, porém, nem enchentes nem secas são capazes de fazê-los acordar, andam todos distraídos e a ignorância, a ganância insistem em ficar quando sobram recursos.
   E onde estão os caras?
  Meu único desejo nessa noite, embora eu pareça conformado e seguro, é que minha agonia te roube o sono e que minha revelação te traga badaladas de sinos em céus nublados de enterro. Do seu próprio enterro. Do nosso. O mundo gira e não é atoa que o senso de direção dos nossos passos também. As bússolas, os ponteiros do relógio, as pupilas negras. Os caixões comprados ás prestações. O que mais choca talvez é a informação mais necessária: um lampejo gigante que estrague tudo. Que nos impulsione a descer do altar de vestes brancas combinando com as coroas de flores mortas na cabeça.
   Vamos nos entregando todos. Por piedade e misericórdia. 
  Deixando se levar pelo ritmo da valsa desarmoniosa que a cada nota desiste de ser progressiva e complacente com os pares de dança no salão. Virando a eminência de tombar fundo, mergulhando em águas cada vez mais profundas, até que entrem e se impregnem nos pulmões.
    A morte é o ápice da vida.
   E embora você não consiga entender agora, nós estamos caminhando para o fim. E é para o bem.

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