sexta-feira, 21 de setembro de 2012

          De tantas possibilidades de caminho ele escolheu a do céu. De tanto carnaval e  filme 3D, ele optou por ser cansado. Por esquecer seus amigos imaginários da época de pivete que ele podia correr descalço no meio da rua sem se preocupar com as metáforas sobre horizontes e nuvens metamorfoseadas.  Ele só pensava que se o céu estava azul e não iria chover, o mundo era um parque de diversões e ele seria feliz para sempre. E esta é, talvez, o pior tipo de mentira porque um dia ou outro, chove.

            Agora o horizonte se confunde com o outro lado da rua e ele entende que nuvens são só nuvens, que elas jamais terão sabor nem nunca tiveram. Da mesma forma que deixou de acreditar que não importam as histórias novas, o mundo é sempre antigo e tudo é incerto demais. Eu sinto muito por ele. E quero seu bem, quero de um jeito que não-sei. É um amor que apenas se sente, mas não sabe ao certo como sentir. Eu vi esse menino crescer ao meu lado e tudo que eu quero é que ele seja feliz e não caia na besteira de começar a fumar como o pai. Então ele sai com as pernas cambaleando porque morre de medo de voar, e eu sinto umas palavras querendo sair, como as últimas sentenças, as considerações finais, dar mais credibilidade à sua ida. Mas escuros não precisam de motivos e eu nunca sei como lidar com despedidas. 

      Então ele foi, comprou a primeira passagem para o primeiro voo. Não sabia para onde, exatamente, queria ir, apenas ia como um forasteiro em busca de abrigo. Qualquer coisa, pedia para que parassem o avião para descer. Ele achava que podia tudo, por isso, fazia as coisas com certa repugnância porque acreditava em perdões sinceros. Virou de costas e forçou um sorriso, por um momento deu-se a impressão que estava feliz por enfrentar o medo. Um sorriso que dizia que ele esperava por isso a muito tempo. Eu só pensei que é sempre mais fácil para os desapegados, justamente, por ir embora antes do caos ser organizado. Pela coragem de largar tudo e fazer as malas: ir. Antes que alguém pudesse despedir. E ainda não se importava porque seria perdoado. Ele seria. 

          - O céu me espera - acenou. 
        Acenamos de volta desejando que ele ligasse e desse notícia. Mas nunca esperamos realmente que o telefone tocasse para contar como foi a viagem, se ele tremeu, se gostou do lanche, quanto tempo, onde ele está. Chegamos a ser covardes. Crápulas que levaram um amigo ao aeroporto para ver até onde ia sua audácia e só. Depois continuaríamos a ir aos mesmos lugares e fazer as mesmas coisas sem remorso. Mesmo que houvesse alguma saudade, uma culpa, a vontade de chorar pela sua falta, continuaríamos. Queríamos apenas que ele estivesse melhor que nossa condição humana e acreditávamos nisso. Era o suficiente para sorrir por ele. 

         Depois de dois anos, ontem recebemos a notícia que um avião que ele estava caiu. O choque foi maior do que pudemos suportar. As distrações da vida não são propositais, nós, simplesmente, não pudemos adiar mais as dores. Exclusivamente por ele. Porque ele merecia o nosso perdão e também nossa lágrima. E depois bateu a certeza de que perdeu o medo de altura. Foi realmente preciso sobrevoar a terra para que ele decidisse onde deveria ficar. Voou muitas outras vezes e viu as belezas do alto. Ele foi feliz, feliz, feliz. E então eu tive vontade de ser feliz também, um luto como ele gostaria. Foi então que eu descobri o que queria ter dito à ele. Foi quando eu lembrei dele soltando pipa e marcou no joelho muitas cicatrizes porque só olhava para cima e nunca para frente. E isso vai ficar para sempre atravessado na minha garganta feito suas cicatrizes no joelho: que eu também tenho medo, que tudo o que me faltou foi coragem de pedir perdão, de olhar um pouco mais para o que realmente importa. A fraqueza é minha confissão, e minha vontade de dizer:

         - Vai. 

         Eu só precisava aprender a deixar as coisas irem. É o que ele sempre me dizia: Let it go, little girl. E eu nunca escutava, mas agora eu escuto. Escuto seu silêncio e esses sons que se formam da junção vento-pipa. E como eu queria que ele me escutasse também.

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