segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Flor de Rua e Sol

       Mélanie Laurent tocava no fundo do cômodo e tudo o que eu queria era ser triste pelo prazer de ser, pela glória, pelo poético. Haja promessa mal feita e sentimento incompleto para tanta flor que já insistiu nascer na minha porta e foi impedida pelo sol. Isso não significava nada para quem passa distraído, mas tocou em mim, tocou dentro de si própria. Ela só queria a beleza em troca. E passou o mês inteiro clamando um apoio e sustento, um brilho, uma luz além, uma trégua. Faz tempo que eu aprendi que o mundo não dá tréguas. E não por causa do sol, não existe culpados em acidentes. O maior acidente hoje foi ela não acontecer. Foi eu não poder ver a sua cor e vida. Seu esforço todinho coberto de dor que eu fico assombrada com toda flor bem cuidada que se atreve a nascer nas calçadas da avenida. 
  
       Falaram que o amor ainda existe e que eu não sou apta para amar esse amor. Daquele além que ultrapassa os limites do mundo e transborda para fora das galáxias até que o universo tenha que ser ainda mais infinito e cresça ainda mais rápido para suportá-lo. E ainda não suporta. Ainda é incapaz de contê-lo. Mas o problema da flor era a erva daninha. Era um capim que não foi plantado, mas surgiu feito praga. O que eu quero dizer é que estão tão preocupados com os grandes acontecimentos, querem tanto uma obra monumental e histórica, esperam tanto por alguém que seja a salvação e nunca conseguem ser completos nessas expectativas. Isso não é um acidente, um desastre, uma irregularidade errônea herdado de sangue.

         Liza era a flor. 

       Ela queria sair limpa, consolada e vívida. Nascer na sombra para morrer tranquila depois de alguns meses despejando sobre o asfalto a inocência e efemeridade de seu coração. Mas era só uma flor de rua. Mais precisamente, que não crescia. E não por causa do tempo, embora a marca de relógio no pulso tenha sido bronzeada. Não havia problema sério, só umas juras que nunca foram cumpridas: atravessar a rua na faixa de pedestres, ensinar uma criança a ler, ser mais paciente, dormir na hora certa e não esperar recompensas. E ela continuava chegando atrasada e implorando um encontro que a fizesse respirar com alívio. Não podia ser grandes desejos, eram só os desejos de uma pessoa normal. 

      - Anda, moça. Desabrocha. 
      - Eu esqueço da vida para não ser esquecida por ela. 
      - Mas isso não é a sua fala. Está errado. Não ensaiou para a peça de novo?
      - É esse script que não faz sentido.

      Foi então que algo mudou em seu rosto, parecendo que a coragem de intimidar o roteiro a libertasse e suas cinco pétalas começaram a abrir. Um flor ressuscitada. E a medida que iam abrindo alguma coisa se remexeu em mim. Aquele amor pelo qual eu não estou pronta, querendo sair, correr para fora e me dominar por inteiro. Uma sensibilidade, uma relação de tolerância com a decadência humana. E eu achava que podia ser forte para engarrafar o tráfico seguindo na contramão e mudar a história e editar essas descrições e diálogos que já me deram prontos. Laurent se calou e nunca foi tão prazeroso ter a solidão nas mãos. Agora eu estou no controle. 

      - Vou rasgar esse script agora. 

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