sábado, 4 de fevereiro de 2012

Anotações de um Espírito Revirado

  I. Era quase fim de janeiro. O combinado era as dez todos reunidos para uma grande viajem. As dez horas e vinte eu tentava controlar meu coração, disfarçar a ansiedade e medo que me rondavam e entender porque ninguém mais ali tinha um rosto como eu, miúdo e estúpido, de blusa xadrez e sandália número trinta e cinco, eu era mesmo a mais pavorosa daquele ônibus cheio de lugares ocupados de pessoas contando as histórias de escola e os sonhos futuros. Eu ficava quietinha sem querer atrapalhar aquilo denominado aventura.

  II. Era escuro e tarde, eu não dormia. Talvez pelo barulho, talvez por não querer. Na superfície queria apagar e ser transportada para uma cidade que já fui muito feliz. No fundo queria manter os olhos abertos para registrar os movimentos, as palavras e não esquecer sequer, dos olhares encarados que batiam forte no meu rosto.Até ser consumida pela agonia e dor. Havia um lugar vazio ao lado. Vazio de tudo, foi afastado de mim qualquer matéria e filosofia. Só permaneceu minha insegurança e fraqueza. Perdi a noção do tempo e espaço. Descumpri a promessa, chorei.

  III. O filme termina, muito silêncio penetrando os ouvidos, apenas uns ruídos e uma voz conhecida que atormentava o meu sono. Guardei meu livro de fotografias imaginárias no fundo da gaveta e fechei os olhos. Um peso na consciência me mandou acordar. O que estava fazendo ali era totalmente oculto. Mal começava, mas já podia imaginar o fim. Trágico e doloroso. Mas não conseguia me despedir, ignorantemente, quis me provar a culpa e arrependimento.

  IV. Doze horas de tortura pública. Enfim, o ônibus para no destino. Desgaste, essa era minha temperança, não podia ser diferente depois de lutar toda noite contra os pensamentos. A chamada Aventura mal começa e já a condenei. Por vezes achei que as pessoas erram minhas escolhas, não devia ter dado espaço para me convencerem de podia ser uma boa oportunidade de colocar o espírito no lugar. Tentei inventar uma outra maneira de me sentir satisfeita. Pensei nos livros que leio, nos filmes que vejo, nos rumores contados, implorei por milagre que recuperasse a minha sanidade.

  V. Empilhei acúmulos por dentro. Uma imensa pilha de pressão. Já devia saber que esse dia chegaria. Acho que tentaram me avisar que ele seria mais próximo que nunca. Mas não me preparei para ele. Meu coração nunca parou por tanto tempo. Muito tempo, muito tempo, muito tempo. Queria expulsar gritos e verdades. Mas era invisível e muda. Ele me via, mas não me enxergava. Doeu e quis durante o banho que o mundo acabasse lá fora.

  VI. O relógio nunca passou tão devagar. Engatinhava e tirava sarro com minha cara de deslocada. Queria sair dali, correr da multidão que me empurrava e me obrigava a sorrir e dizer que estava tudo bem. Ele não me amava mais, mal pude sugar a vida. Que horas seriam? A pior já registrada, a do meu óbito.

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