Matei a morte. Legitima defesa. E qual defesa seria a mais legitima? Aleguei ter cicatrizes de um peito banido, esvaziado. Mastigo algo cotidiano e comum e engulo.
— Acidentes pessoais não contam. Chororos e nhenhens são filosofia barata. Defenda-se melhor.
Como se não acontecessem com eles, todos os dias, noites e manhãs, numa sala tediosa com uma prateleira de livros envelhecidos e poeira. Aqui mesmo, no inferno dos vivos. Eles podem caminhar rapidamente, falando da forma mais imposta que a liberdade mora na casa ao lado, sentada tocando piano. Mas são conselheiros e não escritores. São críticos repetitivos. Capazes de cortar os próprios braços para não darem a mão.
— Me desculpe. Mas sofrer é uma saída decente. Sofre-se por vezes para entender-se ao máximo. — Logrei.
— Não fale tanto de sofrimento. Estes estão irrespiráveis de tanto serem acoitados em dramas subalimentados de sonhos e pedidos de amor. Morte não tem nada a haver com isso.
— Não se mata em palavras, senhor. Mas em lágrimas de dor que merecem serem lidas, relidas e decoradas.
— Decoradas? Não se trata de domínio narrativo, mas de assassinato! — Retrucaram.
Mal escuto e já protesto. É condenável viver de frases. A missão é dar um passo maior, experimentar capítulos. Isso implica em guerra e em sangue. Há realismo no mágico, mas não há nada de mágico no real. A dúvida e o medo batem a porta (...) Eu não fui absorvida. Seis votos contra dois — Existem duas formas de se livrar do sofrimento. Eles escolheram o que já era esperado. O mais fácil para a maioria das pessoas: Tornaram-se parte. — O segundo voto a meu favor foi de um argentino que acreditava que isso no qual vivemos todos dias é arriscado e exige atenção e aprendizagem contínua.
— A vida açoita e a gente tem que se defender. Nem tanto das pessoas, mas da própria cabeça. — Ele disse — com ou sem filosofia, ela vai cutucar. Temos mesmo que ser atentos, e armados.
Eu procurei e reconheci: A morte estava atacando minha mente, querendo me preservar do interesse pela vida, me oferecendo desespero e obscuridade. Mas optei pela segunda maneira de me livrar: Contei com a certeza de que existia mais espaço, que além da estrada longa e torta, a rosa murcha e morta, reviverá. Lá na frente, vamos mostrar a eles o que significa ser liberto. Pra não virem depois atrás de nós dizendo que não foram avisados.
Na casa ao lado, quem toca piano é a morte sorridente. A verdadeira liberdade mora dentro de nós, como uma máscara. Que teria de ser nosso rosto.
Essa não é uma história sobre a morte, mas sobre vida. Sofrer demais é se matar aos poucos... matar a morte é negar ser invadida pelo sofrer. Lindo!
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