sexta-feira, 27 de abril de 2012

Heitor. Fazendo e curando meus calos.

A claridade cegou os meus olhos. E eu estava bem de frente para a parede branca que reluzia com o reflexo do sol. Tinha gente andando por todo lado que me senti uma anã olhando-as de baixo. No andar de cima alguém sentado com o violão nos braços cantavam um sucesso antigo dos Beatles, eu sei que era deles pela melodia, difícil alguém reproduzir algo parecido. Eu fechei os olhos e via tudo vermelho, minha cabeça doía forte e o barulho pediu licença para incomodar meu sono perdido. 

Heitor mudou a posição porque não enxergava bem o meu rosto perdido de onde estava. Suas mãos me tocou os ombros e perguntou que horas eu tinha ido dormir na noite passada. "Horário de todo dia, ás dez e trinta e dois." Eu respondi e cortei a oportunidade dele continuar esses assuntos desnecessários que ele ama só para passar o tempo. "Parece que foi mais tarde, você tá calada demais." Ele prosseguiu pra ver se tinha algum sucesso. Eu abri os olhos e lutei contra os raios ultravioletas para encará-lo. E nessa hora ele comprimia o dedo indicador nos dentes. E minha resposta um pouco grosseira perdeu o sentido, quando o pensamento chegou: eu nunca tinha observado aos mãos dele.

Percebendo minha estranheza dobrou as sobrancelhas questionando o que aconteceu. Em pouco mais de um ano que nos conhecemos eu nunca percebi o comprimentos dos seus dedos, o formato da unha, a cor da pele e costumeiras observações que eu sempre faço quando conheço alguém. O tato sempre foi importante para eu decidir a pessoa. Talvez, o dia nos apresentou de forma diferente que mal pude perceber, mas nesse período tão grande, não ter prestado atenção me devorava com fome. 

- Que é? - Ele perguntou carinhosamente.
- Nada. São suas mãos. - Então eu, atenuadamente, procurei o segredo que não prendeu minha atenção antes, estudando seus traços e involuntariamente avancei e peguei-as e as suspendi no ar, mas não achei a resposta da minha dúvida, além de agonia. "E daí?" Ele pareceu curioso e eu apenas ri. Ele levou os braços para perto do tórax e rodopiou suas mãos, e eu pensei que seria essa a primeira vez que ele deu tanta atenção a elas. "Me responde, você sabe que odeio quando isso acontece." "Isso o quê?" "Você pensa, ri e fica calada, me corrói."  E soltamos uma gargalhada.

- Elas são diferentes, só isso. - Eu tentei me enganar que era essa a verdade.
- Eu te conheço, me conta a verdade, por favor. 
- Eu nunca prestei atenção nelas, isso é assustador.
- Assustador? Você que está me assustando. - Respondeu num tom de sarro. 

Eu pensei que ele ia me questionar mais, isso acontecia sempre quando meus mistérios começavam a escorrer devagarinho, e ele ficava faminto para me ouvir, sabe-se lá o porquê. E de uma maneira estranha isso me incomodou, eu não devia dar á ele satisfações, nunca tive, mas agora ele não exigiu, e minha manhã que tinha tons amarelos, acinzentou quando percebi estava olhando para ele em busca de explicações, mesmo que devesse ser o contrário. E ele soltou um que é novamente, dessa vez um pouco menos cuidadoso. "Você é a primeira pessoa que eu não faço isso." Minha boca respondeu sozinha. Ele refletiu e chegou a uma conclusão sozinho e se calou. 

- Não vai falar que eu sou louca? - Eu exigi que voltasse ao normal. 
- Você já sabe disso e eu aprendi que você assim, não precisamos colocar as velhas cartas na mesa para um assunto que você detesta, não é? - Ele tinha a resposta na ponta da língua como se estivesse se preparando pra ela a muito tempo. "Que assunto?" "Você" "Então tudo bem, esquecerei sua mão." 

A parede branca na minha frente voltou a brilhar e queimar minha pupila, eu fechei os olhos de novo e passamos o resto do intervalo em silêncio. Ao voltar para as atividades, ele saiu do seu lugar e sentou ao meu lado. Estávamos estudando Drummond e o único comentário durante a leitura foi alguma coisa sobre eu ser gauche e ter sete faces. No finalzinho da leitura do poema de Guimarães Rosa, ele me deu um bilhete: 

"Eu deixo você esquecer as minhas mãos, mas não esqueça o meu rosto."

Eu amassei o bilhete e saí lá fora pra chorar. O ponto final foi decisivo que me trouxe lembranças antigas: Céu laranja e grama verde no chão, na minha frente tinha uma lagoa, o vento era suave e do meu lado alguém cantava minha história, a harmonia da voz com a paz do meu coração veio a tona e depois me espancou na cena seguinte. Eu lembro que tinha mãos fazendo notas num violão meio cansado, eram bonitas, seguras e protetoras. Foram as mãos mais lindas que já vi, toquei e senti. Eu estava feliz, eu sei. Mas o rosto se apresentou embaçado. O rosto, meu Deus, de quem era?

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