sábado, 2 de junho de 2012

Jorge e suas sombras

"As vezes eu vejo sombras no escuro" eu confessei desconfiada e certa de que reposta alguma seria esclarecedora e compreensiva, mas tão sincera que me sentiria confortável. "É mesmo? Eu também" Respondeu Jorge preocupado quase comemorando profundamente por ser encontrado pelo acaso. Eu fiquei tão feliz que por pouco não chorei de dor. Por Deus. 

- O que elas dizem á você?
- Nada. Elas choram.
- E você?
- Choro com elas. 

Por vezes eu durmo com a janela aberta pela claridade, em outras é esse nervosismo que obriga, pela pressão da quantidade de sombras que rodeiam até que eu me perceba doendo com elas, fortalecendo todos os meus fracos vínculos com a realidade. Porque as penumbras são só a consciência gritando no mais profundo abismo de mim que eu deveria acordar. E como não poderia? Poucos são os que entendem a ligação direta entre a tristeza escondida e a refletida como Jorge e eu. Que choramos a noite pelos motivos que ninguém percebe, que gritam tão alto que acostumamos com o incômodo. Percepção é bem mais importante que sentir, Jorge de longe repete comigo.

- É preciso sempre um pouco mais. 
- Eu entendo. 

E como eu entendo. Insondável, quieta e agoniante como é, eu sinto aproximar e derramar baixinho e agudo o som das lágrimas pingando no chão. E aí eu morro de novo, acordo tão pesado no leito das verdades por detrás do prédios e sob o asfalto quente que jamais voltaria a ver a luz do dia se quisesse. Poderia ficar para sempre lutando por quem não tem mais força de voz. Até que de cansaço eu perca a minha. 

Tomo cuidado para não levantar da cama com a exaustão das lembranças que foram afastadas de mim, só que dia a dia, continua sonhando pela minha retina ainda que eu lave o rosto. "Não podemos mais ignorar nossas janelas, Jorge" eu solto para o ar e o vento leva a mensagem. Nesse mundo que acordo só tenho covardia e se perde do meu quarto a valentia de gritar para o céu e nas frestas ocas do mundo que precisamos de mais amor. 

A ficha cai em mim tão tarde que já é noite. Eu busco o sono fora do escuro, porque sei que em algum dos becos verei Jorge tão bondoso em busca de uma saída enquanto eu quero acordar e me fazer surda às sombras. Nunca me deixaram pistas de que isso é possível. É assim que acontece com que está fadado a ver tudo e  por sempre levar na frente o coração. Me dói cada vez mais os carros em movimento brilhando nas avenidas como estrelas coloridas, me arde a imundícia do mundo. Onde foi parar nossa cautela em dobro?

Que nasçam mais Jorges que trocariam sem duvidar os papeis valiosos por mais um pouco de sensibilidade. É preciso sempre um pouco mais.  

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