sábado, 1 de setembro de 2012

O depreender de uma Maria qualquer

   "Vai me dizer que você não gostaria de saber o número de estrelas do céu?"
   "Mas não se pode saber."
   "Sim, mas eu tô perguntando se você não gostaria de."
   "De quê?"
   "As estrelas, Maria. As estrelas."
   "Ah."

   Seria mais fácil se talvez o mundo funcionasse no automático. E depois eu penso que não sei, porque eu detesto os porquês, principalmente quando a mente não cabe na sala e qualquer pensamento é largo demais para ser verbalizado. Meu último pensamento sobre as estrelas me trouxe você, Maria, que tem nome de ninguém e é a estrela decadente do mundo. Por muito tempo eu considerei essa sua inquietação detestável, mas agora eu até consigo ver nisso um motivo para ser forte. Antes eu achava que você mudaria de lugar quantas vezes fosse preciso só para ajeitar os defeitos e evitar que um deles te fizesse chorar. Mas agora, Maria... agora eu te entendo. 

   Sua pose de mulher flexível não passa de um esconderijo. E esconderijos muitas vezes são abismos, calabouços. E fica improvável voltar, depois de tanto que já se camuflou por detrás das grades. É evidente que você se tornaria o próprio inimigo. Eu tento não lamentar por suas escolhas trágicas, e saber que é necessário ter assas para perde-las me conforta de certa forma. Você pensa que é pó, mas é pedra. A pedra que ninguém mais pode diminuir, quebrar, e muito menos com ela fazer estatuetas heroicas. Você é uma pedra que não pode virar fortaleza, você é uma especie de inutilidade, o resto que ficou de si mesma, uma frágil e desarmada como eu. Você é imperceptível, Maria, mas é mulher de verdade.

   O seu universo é limitado, mas eu faço questão de aumentar só para caber um pouco do inalcançável na sua essência. Eu doo demais por você. Tenho apreço por seus olhos, a forma como eles me fazem ver o mundo. Uma vontade de te cuidar, te fazer um bem. Dar-lhe conforto e abrigo. Ao mesmo tempo que quero te rejeitar, guardar seu hálito e te negar muitas vezes. Só para ver até onde você consegue ir, até onde você aguenta. Até quando você continuará sendo tão sublime. O mundo inteiro foi criado contra você e ainda assim você sorri para ele sem preceitos, só por pureza. E quanta pureza, Maria. Que coração mole, que generosidade gratuita. Eu quebraria quantas janelas e copos de vidros só por raiva desse seu espírito intocável.

   Mas agora eu entendo. 

   Entendo e tenho um pouco de medo. Terror de me tornar tão acostumada quanto você, de absorver essas histórias palermas que você me conta, de tremer e sair de mim todas as vezes que você soletra seus sonhos perdidos, o que a insensibilidade do mundo fez com você. Porque agora eu sei, que isso foi, unicamente, sua culpa. Mas é uma culpa que você faz questão de distribuir, fazendo de mim, uma desonesta, um réu. A sua condição é a mesma que a minha. A mesma de todas as criaturas humanas, só que sempre se mostra um pouco mais machucada. E tudo isso me preocupa. Porque esse é um preço que eu não quero pagar. Mas agora eu sei tanto que acho que não posso mais fugir: todos nós nos acostumamos. Somos obrigados. Você foi e eu serei. O que sobra depois disso é insensibilidade. É? Sim, porque cada ferida que o mundo me faz, eu faço questão de aumentar. 

   É por isso que minha relação com você será sempre de amor e ódio. Justamente porque (mais uma vez) aparentemente, nunca houve uma mente tão néscia quanto a sua, mas ainda sim tem uma ponta de esperteza, de sabedoria líquida. Eu consigo gostar-lhe como quem gosta por uma noite e pela manhã sobra apenas o desejo impulsivo de não gostar jamais de algo parecido. Mas uma noite que insisto em manter longa, e não porque poderia ser considerada, facilmente, muito inteligente perto da sua alienação, e sim porque agora te olhando assim, com tanto entendimento, piedade e amor, eu percebo que ainda existe uma partícula de vida inocente no mundo. Apesar dos apesares ou por todos eles. Amém para todos nós. 

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