terça-feira, 6 de novembro de 2012

Ainda é tempo de chorar

          Eu tenho o direito de me maltratar porque ninguém poderá chamar de bom aquilo que sufoca a memória encobertando com um suspiro as verdades que eu ainda insisto em não acreditar. Os romanos, os chineses antigos, os mesopotâmios, eles acreditavam que o mundo iria melhorar, eu não. Eu só tomo cuidado para que ele não desmorone enquanto eu estiver viva, porque, além de tudo, sou egoísta. Egoísta e medrosa. E embora muitos sorriem para mim como consolo, eu escrevo deixando as lágrimas molhar o papel.
          
           Cortei as ocupações que me deixavam inflexível e agora me acomodo em qualquer espaço vago, entre as lacunas do tédio e solidão, e vou construindo essa vida completamente encaixada nos padrões que eles querem ver. Eu sei que é preciso encontrar uma saída, de certo, deve haver. Ela só não deixa pistas disso. E também perdi a força dos meus esplendorosos cinco anos de idade. É por isso que meu grito não sai com a mesma potencialidade dos moleques da rua, as crianças querem que saiam todos de uma só vez, e eu, apenas tenho um nó górdio no meio da garganta.

           Eu vou mais um pouco até onde saturar. Só para provar que eu aguento. Maldade, meu bem, é a covardia que me persegue. O cruel, embora não seja inocente ou puro, não é culpado dos pensamentos obscuros que não me deixam dormir rapidamente. Deixando a noite derramar seus mais sombrios mantos em cima da consciência, anoitecendo-me por dentro. E só quando o veneno corrói é que o processo chega ao fim. Mas aí os olhos teimam em dormir. Eu tenho o direito de me maltratar por causa das insônias. Dos meus ombros caídos pela manhã.

           Às vezes, quando eu costumava saborear o tempo livre, podia rir de mim mesma. Contar piadas para o vento e cair, rindo, no chão até adormecer. Agora a piada me toca fundo ao ponto de me travar a boca e tornar-me mínima. No entanto, ainda vive. Porque não basta a minha ilusão para ter a fineza de desinventar, os vestígios estão a beira de mim como um adeus esquecido, guardado. Retina de luz fluorescente toda vez que eu fecho os olhos.              

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