sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Miguel,

Eu gostaria de dizer que sinto muito, porque sinto mesmo. Mas só direi que faça bom proveito do seu tempo livre, assim como eu tenho procurado novos discos, novas distrações na tevê, novos caminhos. Há a convicção de um futuro sem os mesmos erros imperdoáveis, então largue seu tédio no canto do sofá e procure motivos mais fortes para derramar lágrimas. O pão é alimento e o café ainda é amargo, existem alternativas para não se sentir incomodado com a permanência inacabada. Deve haver razões pelas coisas feitas pelo impulso de amar, deve haver meios de salvar o dia com um pensamento bom, eu só estou pedindo para fazermos a parte fácil. Ela já está de bom peso.

E eu sei que dói demais, o dia é longo e demorar crepuscular. Qualquer minuto vago de solidão é muito perigoso. Mais perigoso que o próprio perigo. Haja milagre e misericórdia para suportar nosso lamento, nossa culpa.  É uma solução arriscada, é por isso que eu preciso que você também tenha coragem por mim. A ousadia não me entende e não me espera. Ninguém estará pronto para me arrancar do abismo, é um processo de terror, então me diz que você em algum lugar vai sempre desejar que eu consiga pela minha própria força, que não é muita. Mas não venha ajudar, apenas peça em silêncio e segredo, por que se você vir é só um castigo, para dizer que estava certo. Você tem confiar em mim pelo menos dessa vez, para eu confiar também. Tem que ser, eu tenho que me superar sozinha.

Você não. Você consegue me viajar durante a vida inteira se sentindo plenamente satisfeito, você consegue passar a madrugada toda sem sonhar, consegue caminhar pela avenida sem olhar para trás. E se sente muito preparado para viajar o mundo e caminhar com as próprias pernas. E eu sei que é só uma mentira que você insiste em acreditar  para não morrer derrotado. No fundo, impregnado no seu coração há de ter o medo do amanhã. Um medo contido numa mísera porcentagem de toda a sua essência, mas que se você vacilar ela te engole. Te pregando com convulsões na consciência. Tudo isso porque você tem amor de sobra. E morrer de amor existe. É suicídio mor. E você pode continuar com essas atividades, passar por uma rua sem virar esquinas, mas não consegue passar pela vida sem amar.

E por isso permanece vivendo à cinquenta por cento. Lutando contra o ímpeto natural. O  maior problema é  a porcentagem que te nega. Que te negará pelo resto da vida sem que você tenha sossego. É maior do que você, é maior do que eu, é maior que o mundo inteiro. Vai saber como você consegue, vai saber. É o preço que se paga pela sensibilidade á flor da pele, por ter olhos que enxergam as almas invisíveis e persistem em estar com elas pelo desânimo de ser solitário. Então não venha, permaneça com seus bons filmes no domingo a tarde. Não me dirija palavras como motivação de esperança. Eu enceno um pouco porque sou atriz, mas não por piedade. Você me conhece, eu vivo pra ser triste, para causar o choro, o do autoconhecimento e da incompreensão. Não ligue para as tragédias do meu ato, eu preciso, Miguel, eu preciso me sobrepujar.

Eu perco muito fácil o meu dia, minha alforria, minha liberdade. Quando menos se espera, já estou procurando maneiras de fazer você um pouco mais feliz, só para eu sorrir também. Você apareceu para me dar vontade de voar, mas você sabe que eu tenho medo de altura. Você apareceu para me dar carona, só para mostrar quem esquece mais rápido e supera a dor. Nós nunca saímos das perdas iguais, não seria agora a primeira vez. Então voa em outro céu que eu não suporto mais. Ocupe-se com as banalidades que um dia nós dois quisemos nos entregar, encontre um novo passa-tempo e não me faça te escrever novamente como se estivesse à beira da morte. E agora te confesso: estou todos os dias. Mas deixa eu mentir dizendo que não, porque minhas asas são as palavras que insistem em sair.

Passar bem,
Alice

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