quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Carta para Clarice, a falecida da casa 67

             Sua casa mal vivida da esquina agora está a venda e ninguém compra por medo de ser assombrada. É claro que ninguém soube o porquê de eu ficar tão sensível com a notícia. E é por isso que eu preciso dizer que não aguento mais. Estão roubando os detalhes da vida com a desculpa que é normal. Eu até entendo, mas choro. Cada vez por menos. Pensava, até então, que os segredos eram ditos nas entrelinhas, mas não me confundo mais: o que é importante ainda está em silêncio, assim como meu nome tem motivo e ninguém sabe.

                E tomara que eles também deixem de confundir sorte com milagre. Porque as assombrações continuam a acontecer, só que fora da casa. Estão se espalhando pelas ruas, alongando-se pelo bairro, batendo nas portas vizinhas. Cada vez mais forte, cada vez mais rápido. Até que não sobre uma janela aberta para entrar ar. A coragem vai embora a tempo de vento e o medo descansa no nosso desgaste de vida. Flutua por aí, o cheiro de mofo do sofá velho da Senhora, entupindo nossas veias com poeira, tampando nossos olhos com a terra do quintal. E virá ágil e sem volta, de súbito para clarear ou estremecer nossas certezas.

               Um dia também haveremos de ser ossos. Quanto aos outros, não posso dizer, mas espero pelo relógio que dá a minha Hora. 

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