sexta-feira, 3 de maio de 2013

Réquiem

Roberto, tem um cemitério aqui. I know, existem cemitérios em qualquer pedaço de terra onde abunda a vida. Que ironia, não é. Mas esse cemitério é diferente. O ambiente é diferente.

Eu lembro quando eu era criança e meus ossos fraquejavam quando se falava em morte, eu lembro do meu medo súbito de entrar na "casa dos mortos", como você dizia. E eu nunca entendi o porquê de você gostar tanto desse lugar, e mesmo sem eu entender você ia mesmo assim, foi dessa maneira que eu aprendi a me ser de propósito, sem ter que dar explicações sobre os filmes que eu amava quando ninguém compreendia a história. A primeira vez que você me obrigou a entrar em um cemitério eu chorei muito. Eu tive essa lembrança tão nítida hoje, mas não sei se chorava de tristeza ou de deslumbramento. Era um dia claro e o vento era macio, os corredores pareciam tão bem cuidados, o chão era florido e os túmulos eram coloridos, só que nas paredes frias de cimento deles, ah Roberto, eu ouvia os gritos, sentia os espasmos, eu adotei toda a dor daqueles corpos putrefatos como se fosse minha, a história, as memórias, a vida que se esvaiu ganhava todo o sentido no sal das minhas lágrimas. Você ficou horrorizado e eu mais ainda.

Sobre o cemitério daqui: cheira à paixão. Passion. E é na Itália. Só não sei se são as olheiras marcadas e os olhos fundos dessas pessoas a única razão para aqui ser tão frio e cinza. Na porta desse cemitério tem escrito "Réquiem aeternam dona eis". Foi o que me fez querer entrar aqui para descobrir o segredo que as bocas dessa cidade insistem em proteger. E você não acredita, Roberto, mas tinha uma velha ruiva francesa cantando Love me, Please love Me.

"Si j'en crois votre silence
Vos yeux plein d'ennui
Nul espoir ne m'estpermais
Pourtant je veux jouer ma chance.
Même is même is
Je devais y bruler ma vie"

A intensidade desse cemitério corre pelas avenidas junto com as bicicletas e produzem sons com o mesmo timbre fúnebre da voz daquela senhora de setenta e poucos anos ao lado do seu bom marido que se foi sabe-se lá quando. E essa canção, a nossa canção antes da noite emudecer nossos lábios ressecados. Os cemitérios são saudade, mas, sobretudo, música. Um réquiem. E eu, Roberto, quero que você venha à Itália, faça logo suas malas e troque as cordas do violão. Eu quero fazer um recital. Eu quero fazer um recital aqui dentro e quero fazê-lo com você.

Sara, Itália, 1960.

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