segunda-feira, 9 de abril de 2012

Do tempo que eu era vivo

- Eu quero ficar em Aracaju pra sempre.
- Sempre não é muito forte, Capitu?
- Não por muito tempo, Zé. 
Ela afirmava com tanta certeza que me convencia que era assim mesmo. Deitou a cabeça sobre minha bariga que tive que diminuir a respiração para mantê-la tão confortável e me lembrei de alguns dias que passamos juntos. Já se faziam dois anos e pouca coisa mudou em mim, mas eu sentia saudade de alguma coisa que ela me ensinou, porém, que já esqueci.

- Eu já podia imaginar que voce sempre foi quente...
- Mas sempre não é muito forte?

Eu passava aos mãos sobre seu cabelo moreno com luzes quase douradas, tentando absorver todos os seus argumentos, mas ela sempre me vencia. - Claro que é, mas não por muito tempo. Eu respondi e ela só sorriu, e devolveu outra pergunta: - Voce não tem um lugar pra ficar pra sempre, Zé? E meu coração quase pulou para fora. "Eu queria gostar de sol quente pra ir a Aracaju com voce." Eu pensei. Ela ria pra mim de novo, com seus olhos sempre tão misteriosos que me dá medo olhar tão firme pra eles, como se fossem tão intensos quanto os raios de sol da sua cidade-sonho, prestes a queimar minha identidade e meus planos, só pra viver o que ela planejava pra mim e nada mais. 

- Talvez uma dia eu possa ir as montanhas com voce, não é? Ela continuou depois de perceber que eu tinha perdido alguma essência, mas que ela nem se lembrava mais. Engraçado como dias se passam e nos criamos outro. Capitu tem a pele mais bronzeada agora e seu sorriso parece mais sublime, quem sabe pelo tempo que passou distante, quem sabe porque quis ter. Eu continuo sedentário, não cumpri a promessa de sair pra correr a noite, fazer mais amigos e alimentar meu desconhecido interior que ama experimentar a vida. Eu não queria que ela tivesse ido. Ela não sabe disso, eu preferi não contar, mesmo depois dela aparecer de surpresa com presentes do nordeste brasileiro, mas fez falta suas mãos me empurrando pra frente e lutar contra aquilo que ela não concordava, mas me dava apoio porque isso que fazem os anjos.

- É, talvez. Minha voz ecoou seca pela sala, que só mudou a cor do estofado do sofá, mas ainda existe o chão de madeira quase mofada. Eu sorri grande e com medo. Capitu piscou triste, fechou os olhos e dentro de cinco minutos de silêncio, dormiu. Eu a observei por algum tempo, parece que mudou um pouco seu jeito de viver, mas não de pensar, talvez tenha crescido alguns centímetros, caído e ralado o joelho por vezes, mas eu seu braço ainda usa a pulseira da promessa. Ela sempre teve uma para não esquecer que ela tem muita esperança e principalmente, garra para combater o que quiser matá-la. 

Deitei a cabeça para trás, suspirei, voltei os meus olhos para a frente, encima da estante tem uma foto nossa. Cinco anos atrás, sentados na areia de uma praia que já esqueci o nome, assim como esqueci muito de mim depois que me deixei ser engolido pela boca do mundo, debaixo de um guarda-sol colorido, fazendo um castelo como crianças. "Um dia construiremos um de verdade, Zé. Eu serei sua rainha e voce, pra sempre, o meu rei." Minha lembrança trouxe a voz de Capitu aos ouvidos. Vivi aquela foto de novo, e de novo, e de novo até chorar. Agora tinha certeza: minha saudade, minha essência perdida me fez arrepiar e acordar a menina dos olhos negros no meu colo. Soluços de um sonho perdido. A dor de não viver o que Capitu tentou me ensinar, a dor de que nunca mais serei um sonhador.

Um comentário:

  1. Suas palavras são tão profundas e simples.. Me fez chorar.

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