quarta-feira, 20 de junho de 2012

Não tem jeito, estou condenada a escrever

     Eu não cumpri com o combinado de novo. Ainda bem (desta vez).

    As gotas suadas de vapor na parede do banheiro fazem o calor me engolir até que eu seja parte da visão embaçada dos espelhos. E uma verdade tão tremula e gelada encosta sem corte no meu coração flamejando. Um tremor interno, uma colisão de sentidos é tudo que resta quando a verdade brilha na névoa: eu não quero mais escrever. Talvez seja por um tempo, assim como por alguns meses eu escutei discos novos, ou seja eternos, um amor adormecido com os posters que não colam mais na parede lilás do quarto. Tudo é temporal porque está sujeito a morrer sem deixar explicações. Portanto não  eu devo enumerar os motivos, vasculhando entre os desejos e a razão a gravidade plausível da decisão. Nem ao menos sei o que está convicta, porque duvidaram de mim tão duramente, que nem acredito na minha respiração. 

   O chuveiro cessa oco, deixando penetrar pela pequena janela um ar frio e fino, não tão dolorido como o prata congelado na lâmina da consciência e que nunca esfriará o ardor do meu peito. E por isso soa tão mais fresco e aliviador, porém não imune. Nada escapa do meu pensamento e é por isso que eu sei que como é aguda a angústia pós água quente, por isso lamento e quase sofro pelos azulejos que são mornos, entre o que é ácido e doce. Sem lá-nem-cá. Sem liberdade, sem forças para se soltar, ter voz. Possivelmente, os móveis me entendem e me perdoam. Logo, eu permaneço sentindo frio por eles, procurando um meio de transmitir o sangue incendiado das minhas artérias como consolo. Recompensá-los por que? Por se atentarem ao meu clamor? Nada pode me resgatar senão o silêncio intacto da madeira, da matéria morta que me orienta pelo espaço da casa noturna. 

   E depois do dever cumprido eu atravesso as portas sem remoço, sem culpa. Deixando para trás a mistura de ar quente com frio. Eu também sou temporal e tenho medo de morrer com minha missão-nenhuma, então pensei: vou sair  vitoriosa, prestes a começar na vida, agora com um propósito à mais, com o combinado de andar adiante e certa. E saí, flutuando, como se em minhas mãos estivesse o poder de determinar o que seria ideal para mim. Tola, tola. Dentro do quarto me gritou e incomodou minhas anotações perdidas, a narração de tudo que senti um dia. Com um sorriso demente e de súbito eu respondo para poeira que caia pesada sobre o caderno antigo largado encima da cama com violência "Eu não quero só uma inspiração banal para sonhar, cara!" Minha própria voz me despertou, me surdeou e machucou forte como se finalmente a lamina penetrasse seca no intrínseco, fazendo sangrar o corte profundo e afiado.

   E depois procurei sofrida um chão para fazer de mim, fundir com a minha pele quente, derreter e escorrer pelas frestas da parede, um assombro de epifania fora de mim: eu desmaiei em lágrimas. Abandonar meu comprovante de vida em páginas amareladas era como arrancar para fora o dedo que carregava a marca mais sublime do meu corpo: um calo. Redondo, vermelho, quase brilhava para mim. Sem palavras, sem o calor interno, sem aquela inspiração para empurrar os meus pés para um lugar além. Agora, tudo desmoronava com o pó. Deve ser assim abrir mão da felicidade: um corte profundo, ardido, sangrento e eterno. 

   Fluía liquido o pavor de não ter mais nada para fazer na vida. Eu levanto com raiva rasgo umas folhas, tento me vingar vendo outros filmes, não tomando mais café quente às seis horas da tarde. O que mais o que mais? Nada. Nada mais porque o que mantém junto os meus resquícios é escrever, por Deus! Outra coisa outra coisa: vai ser ter um futuro, vai ter... o quê? Eu mastigo apavorada, tendo engolir inteiro as ideias de deixar de lado as "frasesinhas" que fazem minha vida funcionar mais simples, terna. Quanto mais me afastava mais o frio da lâmina escorria, deixava em gelo os músculos, até que o ossos ficassem duros e eu caísse derrotada. Certamente, parar de escrever era duvidar de mim também. Uma última e solitária lágrima no canto esquecido do olho reluz, aliviada, leve, abraçando sozinha tudo que escondi do choro. E tudo se acalmou, o metal das janelas voltaram a envelhecer e teimosa e com coragem escrevi de novo. Com sede e protegida por sei lá o quê. Talvez pelo conjunto móvel, parede, chão e ar, talvez pela felicidade inexplicável em rabiscar minha vingança sentenciada:

Um desastre do qual não escaparei, como um ciclo que descansa no ponto crucial da vida. Independente de quantos serão capazes de observar, perceber e sentir como eu: escrever escrever escrever. 

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