terça-feira, 26 de junho de 2012

A noite em que as caixas se abriram

Pesadelo somado a vontade lírica do passado. A plenitude de imaginar tornou-se dolorosa e pesada como um nuvem prestes a despencar chuva. Dentro de mim mal havia lugar para o ar e perplexa, talvez ingênua, com o sentimento que me invadia com apenas duas escolhas - aceitar serena a verdade e ser terrivelmente feliz ou duvidar e carregar para sempre o corpo doente e incômodo - sofri sobre a incompreensão e chorei livremente. A conclusão: sofrer incansavelmente pelo mesmo motivo que me deixa feliz. Eu tenho os dois lados, e o sufoco árido fora substituído por leveza e um pouco de miséria. 

Depois cessou bruscamente o conforto e calma enquanto encostava a testa da mesa de madeira fria e sentia o mundo lá fora. O sangue seguia-se grosso e com dificuldade. O pensamente prosseguiu e atormentou por várias horas como se existisse além de mim mesma a minha sede de respostas finas e ligeiras inundando as veias. Até que eu sedenta e sozinha, exausta me entregasse a um sono profundo e repousar-me tão brandamente e segura. Tento evitar minha própria existência como se ela fosse dispensável, miúda, humilde e vazia. 

Procurei-me muito no espelho, observei os olhos cerrados, as lágrimas chovendo pesadas e concentradas que nenhum músculo se movia. O pulmão respirando até o limite, a fala subindo desde o estômago a balancear pela cabeça, pensei em mim e me reconheci como não se conhecia até então. Cada célula abrindo florescendo, os lábios secos e pálidos, como se a ideia sobressaísse ao corpo, como se eu estivesse sendo consumida pela saudade, como se minha vontade fosse atravessar o material, erguendo-se vistosa, brilhante sem susto. Como se houvesse em mim um estranho.

O cansaço quase consegue tomar lentamente e um pouco alegre. Eu mal sabia e logo alimentava o sentimento palpitante como se venera o fino e precioso véu branco da noiva. E o céu escuro voltou a chover. 

- Mas... mas e se.. se o quê? Se fosse possível mudar o passado - pesava-me - minha existência seria nula? - A nova glória do sofrimento surgiu mais intenso e vigoroso. Tumultuei dentro de mim a vida ao mesmo tempo que pela janela erguia-se uma nova manhã. A noite durou inalcançável, misteriosa, desarmônica. Repeti alto "mentir para não se entregar" como um mantra. Mas mentir a quem? Meu Deus, eu estou fazendo disso mais que amor.

O que sucedia então? O centro luminoso das coisas, o afastamento da certeza do ser e milagrosamente deixar as lembranças se esfumaçarem. Como alguém que embora reconheça o próprio sofrer na confissão do outro, não pensasse, não falasse, não movesse aflita, mas que mantém um olhar bom. Um rosto opaco  impedindo de tocá-la, apenas um piscar de cílios fraternos e precisos. Como se houvesse uma névoa que a separa da realidade. E o que é realidade, afinal? Resignar-se de tudo. Esconder a inquietação no canto mais alto da memória, escondida em túmulos, coberta com morfo suave, caixas largas e perigosas, até um dia se desequilibrem e despenquem outra vez.

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