Eu não sei mais escrever. É como se faltasse instrumentos para alcançar o céu: ele está sempre acima e seria impossível ultrapassá-lo porque é superior a si mesmo. Eu passei a viver a vida de tudo e isso é o céu. Eu sinto as coisas, e não como alguém pressente os acontecimentos, eu sinto por elas como se fizessem parte da minha própria carne. Agora tudo o que eu toco e penso como seria tocá-lo é absorvido pela minha ganância em ter algo para se ocupar. É a segunda maneira sublime de deixar o espírito satisfeito: sugando a vida de quem têm para suprir a minha falta. Não é falta de algo, mas a ausência de nada, é a natureza do que é incompleto. Minha existência fadada a ser oca, meu desgaste com Sede maiúscula, é não saber viver por inteiro.
Dizem que é a fase de rebeldia, a temperança dos dezessete e a ânsia do futuro. Mas eu queria saber qual é a revolução da qual eles tanto falam. Na verdade estar em casa quieta e tranquila me parece desesperador. Como no casamento tudo aparenta deslizar suave e macio, os metais reluzindo e os olhares atentos e fixos como... açoitamento. As pernas bambas e o nervosismos disfarçado. As luzes batendo forte e rápido arrancando sangue até que por fim acabe. O destino de tudo é acabar, inclusive dos dias. Por isso momentos nunca serão eternos. Nem nada que lute para ser: eu choro por eles também. Eu me alimento do cansaço psico como um animal faminto mata para comer. Eu sou um animal que corre e luta pelo que todos desprezam e ninguém vê como é digno e precioso o crescimento, os dias de fracasso. Eu procuro algo para me queixar, para fazer as pernas doerem e a cabeça latejar.
Ninguém há de observá-los e chorarem por eles. Estes inanimados ou pelos traumas subjetivos de alguém que anda pelo rua de cabeça baixa para não ser notado. E até mesmo pelo que exibe e o peito manchado e murcho de coragem superficial para provar a si mesmo a capacidade - de quê? - de acabar diferente dos outros. Mas isso não é possível, porque o pó da carne é o mesmo em todos.
Eu sou vítima de propósito, sem riscos. São só as histórias tristes para servir de inspiração para uma noite como essa - em que a lua é cheia, nas avenidas amarelas os carros aumentam o som e a multidão se diverte em véspera de ilusão bêbada - sempre têm uma razão escondida para chorar em silêncio e pesado, por aquele motivo escondido e secreto. Eu também me machuco pelos goles das moças e rapazes distraídos na rua. Um jeito de esquecer do próprio hálito, do cheiro, da textura e o calor. Dar vida ao quê, antes, era absolutamente zero, afim de ignorar o coração. É o ato inverso de vida ou de morte. Sozinha para inventar saudades e memórias onde não há, ou onde talvez até exista revirado. Esqueceu de acontecer. Eu existo para funcionar pelo que, acidentalmente, não veio viver.
E quem dirá que isso é bom ou mal se o resta é apenas a dureza de um mundo? As pessoas mais realizadas que conheci eram assombrosamente tristes e caladas. Acostumadas com o pouco, morando abandonadas em cômodos vazios e silenciosos, estáticos e vivos. Você sabe, Laura, que por mais que isso seja loucura, eu apenas irei. Perturbada com os muros simplórios e emperequetados das casas, sorrirei para os coloridos e pichados, ficarei angustiada pelos buracos na calçada e com raiva dos asfaltos. Você sabe, tem que haver alguém sensível para as mais fortes vidas.
E quem dirá que isso é bom ou mal se o resta é apenas a dureza de um mundo? As pessoas mais realizadas que conheci eram assombrosamente tristes e caladas. Acostumadas com o pouco, morando abandonadas em cômodos vazios e silenciosos, estáticos e vivos. Você sabe, Laura, que por mais que isso seja loucura, eu apenas irei. Perturbada com os muros simplórios e emperequetados das casas, sorrirei para os coloridos e pichados, ficarei angustiada pelos buracos na calçada e com raiva dos asfaltos. Você sabe, tem que haver alguém sensível para as mais fortes vidas.
...o que mais poderia fazer um "acrobata de vidro" se não ser meticuloso em tudo o que faz?
ResponderExcluirvocê tem tido a mesma meticulosidade com cada palavra escrita, com cada sentimento descrito...
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