segunda-feira, 2 de julho de 2012

O acúmulo de sete bilhões e mais alguns corações

Eu não sei mais escrever. É como se faltasse instrumentos para alcançar o céu: ele está sempre acima e seria impossível ultrapassá-lo porque é superior a si mesmo. Eu passei a viver a vida de tudo e isso é o céu. Eu sinto as coisas, e não como alguém pressente os acontecimentos, eu sinto por elas como se fizessem parte da minha própria carne. Agora tudo o que eu toco e penso como seria tocá-lo é absorvido pela minha ganância em ter algo para se ocupar. É a segunda maneira sublime de deixar o espírito satisfeito: sugando a vida de quem têm para suprir a minha falta. Não é falta de algo, mas a ausência de nada, é a natureza do que é incompleto. Minha existência fadada a ser oca, meu desgaste com Sede maiúscula, é não saber viver por inteiro. 

Dizem que é a fase de rebeldia, a temperança dos dezessete e a ânsia do futuro. Mas eu queria saber qual é a revolução da qual eles tanto falam. Na verdade estar em casa quieta e tranquila me parece desesperador. Como no casamento tudo aparenta deslizar suave e macio, os metais reluzindo e os olhares atentos e fixos como... açoitamento. As pernas bambas e o nervosismos disfarçado. As luzes batendo forte e rápido arrancando sangue até que por fim acabe. O destino de tudo é acabar, inclusive dos dias. Por isso momentos nunca serão eternos. Nem nada que lute para ser: eu choro por eles também. Eu me alimento do cansaço psico como um animal faminto mata para comer. Eu sou um animal que corre e luta pelo que todos desprezam e ninguém vê como é digno e precioso o crescimento, os dias de fracasso. Eu procuro algo para me queixar, para fazer as pernas doerem e a cabeça latejar. 

Ninguém há de observá-los e chorarem por eles. Estes inanimados ou pelos traumas subjetivos de alguém que anda pelo rua de cabeça baixa para não ser notado. E até mesmo pelo que exibe e o peito manchado e murcho de coragem superficial para provar a si mesmo a capacidade - de quê? - de acabar diferente dos outros. Mas isso não é possível, porque o pó da carne é o mesmo em todos. 

Eu sou vítima de propósito, sem riscos. São só as histórias tristes para servir de inspiração para uma noite como essa - em que a lua é cheia, nas avenidas amarelas os carros aumentam o som e a multidão se diverte em véspera de ilusão bêbada - sempre têm uma razão escondida para chorar em silêncio e pesado, por aquele motivo escondido e secreto. Eu também me machuco pelos goles das moças e rapazes distraídos na rua. Um jeito de esquecer do próprio hálito, do cheiro, da textura e o calor. Dar vida ao quê, antes, era absolutamente zero, afim de ignorar o coração. É o ato inverso de vida ou de morte. Sozinha para inventar saudades e memórias onde não há, ou onde talvez até exista revirado. Esqueceu de acontecer. Eu existo para funcionar pelo que, acidentalmente, não veio viver.

E quem dirá que isso é bom ou mal se o resta é apenas a dureza de um mundo? As pessoas mais realizadas que conheci eram assombrosamente tristes e caladas. Acostumadas com o pouco, morando abandonadas em cômodos vazios e silenciosos, estáticos e vivos. Você sabe, Laura, que por mais que isso seja loucura, eu apenas irei. Perturbada com os muros simplórios e emperequetados das casas, sorrirei para os coloridos e pichados, ficarei angustiada pelos buracos na calçada e com raiva dos asfaltos. Você sabe, tem que haver alguém sensível para as mais fortes vidas.

2 comentários:

  1. ...o que mais poderia fazer um "acrobata de vidro" se não ser meticuloso em tudo o que faz?

    você tem tido a mesma meticulosidade com cada palavra escrita, com cada sentimento descrito...

    ResponderExcluir