domingo, 2 de setembro de 2012

Abraçando ruínas


"Você me parece muito triste, Daniel. Mas uma tristeza que você consegue prever e se preparar ao ponto dela ser branda e, confortavelmente, desesperadora. Como se fossem os medos que sempre batem a porta, mas você, acima de tudo, sabe que eles já estão do lado de dentro. Você suporta a solidão. Você vai à cafeteria da esquina e serve o seu café quente sem rancor, sem culpa, mas sempre fica no ar o clima de despedida - despedida de quê? Só isso, despedida. 

Você é tudo a mais, qualquer coisa além. E eu entendo o quanto você está arriscando para manter-se vivo. É por isso que eu minto seu nome e evito dizê-lo em voz alta, para não atrair um outro sorriso de fora. Porquê é claro que pessoas como você sofrem por causa de sorrisos. Caminham sempre sem olhar para os lados param não ter o perigo de se apaixonar por um, mas estar sempre se apaixonando. Eu sei. É a sua sobriedade: estar sempre pirado de amor e uma dor agradável no peito. Eu acho que vale muito a pena chorar os motivos de suas lágrimas, acho também, que se você pudesse, amaria sobriamente todos as ruas vazias, as vilas abandonadas, um casebre afastado e escuro e depois beberia até esquecer que amou um dia. Afinal, foi você quem me recitou que toda historia é contrição.

Mas não é isso que ainda me chama a atenção, ainda que sua melancolia seja ponto marcante: eu queria realmente entender o objetivo de você ainda se manter jovem. Eu nunca pude me conter ao ver que sempre foi o único a manter o rosto sem barba, a pele mais limpa que as outras. E acho que eu nunca poderia mesmo saber, o mistério ainda é o inspirador das maiores astúcias. E não pense que você me enganou esse tempo todo, eu soube desde o início do seu jogo de mentiras. Mas era interessante jogar. Você sempre ganhava e levantava os troféus vigoroso. Abraçava seu próprio abismo, cantava a música do próprio enterro. Porque, simplesmente, não tinha medo de morrer. É ótimo não ter medo de morrer, Daniel. Então porque agora você esculhamba a respiração todas as vezes que alguém vai por algumas semanas? Os aviões ainda voltarão. Existem os rastros, as lembranças. Memórias nunca nos deixam partir de verdade. Não te bate uma angústia ao saber que você respirava tão bem?

Bate em mim. Bate muito e como dói, Dan. Como dói."
Bárbara Silveira

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