sábado, 17 de novembro de 2012

Quanto a escrever

- Talvez eu não queira descobrir. Não saber, exclusivamente, pela falta de interesse e porque é mais confortável. Isto torna as coisas um pouco mais entendíveis agora? 
- Que coisas, Catarina?
- Não importa que coisas são, desde que sejam entendíveis. São?

Dá pra ficar horas e horas encarando seus olhos verdes, ver que ela não passa de uma mulher desacostumada que tem muito a perder. E no exato momento em que ela para e olha para mim esperando algum tipo de resposta que satisfaça seus próprios astúcias, eu entendo que ela quer muito descobrir, mas, sobretudo, descobrir pelos outros, porque perdeu-se o ânimo da solidão, porque saber de todos os mistérios sozinha não adianta. Naquele instante, silenciosa, Catarina pedia que eu descobrisse e contasse para ela depois. Principalmente, porque tenho uma memória detestável e logo esqueceria, mas ela não, ela guarda os segredos revivendo-os a cada dia. 

- Tem que ter algum sentido nisso tudo, não acha? Os móveis, por que eu gosto dos móveis dessa forma? Por que eu detesto poemas sobre flores? É claro que no fundo há uma explicação bem lógica, que se eu soubesse faria tudo dar certo. Mas e se eu não quero saber disso?  Eu quero carregar o peso sem ter que dar motivos. Você entende?

Ela fazia essas pausas com uma pergunta, mas não era o tempo que ela dava para alguém responder. Era só uma pausa para ela mesma. E porquê a medida que falava a sala se sentia assombrada, e eu dava um sorriso nervoso como se suas palavras não me atingissem, para poder partir sem receios, sem remorsos. A cadeira que ela sentava era surrada e velha, e era à partir desse couro desbotado que o mundo podia ser outro. Tudo em razão do seu vício, da ferida que ela fazia crescer pela saciedade. Porque, diariamente, quebrava as promessas e chorava em frente a janela. E nestas horas eu sinto meu coração doer também, sangrar pelo seu choro que se tocasse a pele, queimaria flamejante sem culpa alguma. Mesmo de longe, mesmo sem saber, eu sinto o estômago comprimido, estrangulando alegrias, sentindo tanto quanto ela.

É por isso que quando ela implora para que eu a entenda, eu baixo a cabeça pedindo para ela parar. Majoritariamente porque o remédio tornou-se vício, e o vício dilacerante, veneno. De gosto bom, que conservava o mínimo de esperança. Mas ainda assim, um veneno. Que mataria-nos aos poucos, cada vez mais forte e mais sutil. Daí ela para, senta na cadeira e olha para o nada, catatônica, em silêncio. Pensamentos sem fim viajando ao redor. Pegou suas canetas, seus cadernos e atirou pela janela. Ela concordava que tínhamos que parar. Não pelo medo da morte, mas pela chance de não descobrir o que levaria continuar sempre no penúltimo texto da vida. Porque talvez assim pudéssemos fazer tudo certo, colocar os móveis de acordo o Feng Shui, garantindo harmonia na casa e na memória. Talvez porque assim poderíamos ler qualquer tipo de poema só com admiração e não com incômodo, porque talvez assim só escreveríamos recados de geladeira sem saudade.
Saudade e dor de sermos para sempre mudas de som. Eu prometo que, um dia, também jogarei fora minhas canetas. 

2 comentários:

  1. Muda de som? Mas eu lhe ouço, Bárbara. Ouço alto toda vez que lhe leio.

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  2. Eu quero que você continue no penúltimo texto da vida para sempre. Não jogue fora as canetas!

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