quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Desestabilizamor

A entediante rotina do céu, o maquinal nascer do sol. Talvez ele também pudesse ser mais fácil se funcionasse no automático. Ou talvez não. Mas os dias passam e estava cada vez mais destroçado. Ainda mais agora, nesse aflito minuto em que pede pra alguém descobrir os esconderijos nas bordas do seu coração. Mas esconderijos são armadilhas também. Ninguém quer cair em ciladas de amor, sobretudo, naquele amor sombrio que escorria pelos poros da pele. Líquido negro e denso que se recusava a gotejar. Feito um mercúrio, feito uma maldição. 

Ele não tinha mudado muito. Ainda mantinha a sala arejada, o carpete de veludo limpo, os móveis de acordo ao feng shui. Há quem diga que tem uma casa livre de pragas, um bom exemplo de rosto jovem e iluminado com a vida inteira para seguir. Diziam muitas outras coisas também. Que era órfão, que era desequilibrado, bem sucedido. Nunca entraram n'um consenso para dar coerência as estórias que circulavam. Apesar da inconstância dos boatos, era o mesmo menino que eu me lembro. Desolador e desastrado. Uma mistura de mistérios não resolvidos e indecisões. Sabia sorrir na hora errada, falar na hora errada, mas sempre triste na medida certa. Levando um sentimento apertado, um olhar sobrecarregado, uma felicidade atrás da porta. 

Quando eu cheguei ele permaneceu sentado na poltrona tons pastéis que se misturavam com o azul da camiseta. Azul em camadas. Como ondas no mar, afogando as pupilas, as contradições do que podia se ver, a dúvida do próprio olho. Ele podia ter o nome que quisesse, pensei. Adotar qualquer um, desde que ficasse nessa mesma posição. 

- Senti saudades. Você não sentiu?
- Eu sinto saudades quando estou perto. 
- O que isso quer dizer?
- Quer dizer que quando você for embora, vai ser só mais um rosto distante que eu não reconheço. 

Eu suportava a melancolia dele como nunca pensei ser possível. Ele podia ser mais se quisesse, mas escolheu ser pequeno para o que tem dentro. E eu o amava por isso. Amava como ele me deixava pelo avesso e perturbada. Ele me fazia pensar que estava tudo errado, me fazia chorar as lágrimas engolidas do mundo, me fazia arder em desconsolo por aquilo que eu era, que sou. Revivia minhas fraquezas todo dia para me fazer forte. Era sua palavra que me deixava doente e depois me curava. 

- Eu não quero que você me esqueça dessa forma. 
- Então não vá.

Invasor e passivo. Ele levantou e me serviu uma xícara de chá. Eu sempre ia. Eu sempre ia porque tinha compromissos longe dessa casa de eucalipto envernizado, eu tinha uma verdade que ele não podia tocar com sua inconsequência. Quem sabe, pudesse. Mas eu não deixaria, nunca. Se deixasse era minha sentença de morte. Morte para causar vida. Mas eu não queria, eu queria minha solidão só pra mim, minha dor só pra mim, eu queria o sal do meu choro só pra mim, minha angústia, meu fim. Egoísta e só. Eu não queria que ele pegasse metade do peso dos meus ombros. A metade era muita. 

- Eu não entendo porque você faz isso, sabe que não posso ficar. 
- Sabe o que eu acho? Eu acho que você é um desestabilizador que desestabiliza a si próprio, não precisa de mim pra "fazer isso com você", você faz sozinha. Eu só não quero que esse desestabilizador te tire da condição de minha. Se tirasse, você veria sentido em ir embora e iria sem receio. Mesmo que você vá, eu prefiro que vá querendo ficar. Querendo mais chá quente e querendo meu amor. Você sabe que tem o meu amor, não sabe?

Eu pedia em silêncio para ele não falar de novo. Daqui a pouco o sol se põe e é sempre mais perigoso quando te desvendam os segredos no escuro. Quando você tem medo de adentrar no céu estrelado e prefere a luminosidade da lareira. Eu pedia pra ele não falar, porque sua voz era mansa, sua alma era pura. Eu pedia pra ele não falar porque, facilmente, convenceria eu me abandonar para deixar mais úmida e morna a sala, para sujar com pegadas o carpete, para trocar os móveis de lugar. Porque eu não resistia à sua organização, porque um minuto à mais eu queria jogar tudo pelos ares. Ele sabia que assim como ele, eu também estava cansada de mim a cada dia e queria um impulso de vida. Foi então que eu levantei para ir embora e não me render. Pensando somente:

Que seja sempre delicado e arrependido meu passo para fora dessa porta.

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